07 novembro 2005

Leela


Na contabilidade pura é uma banda de rapazes (são três) com uma garota solitária a frente. Mas Bianca Jhordão, linda, loura e firme na guitarra não está ali no centro do Leela de mero outdoor. As letras vestem (quase sempre despem) um personagem feminino que é / não é ela. “Fico até encabulada com alguns versos”, ronrona a poderosa, alcunhada pelo parceiro Fausto Fawcett (perito em louras desde o sobrenome artístico), na faixa-instalação “Ultimo Jantar”, de “xerife mandona”. Epa, mas os rapazes nada têm de paus mandados. Rodrigo Brandão, na outra guitarra, a que conduz, e o que mais fala, diz ser esse contraste o diferencial da banda em meio a inúmeras do “underground”, onde “é preciso ser forte para sobreviver”. E mais: “tocar de forma simples e mandar bem”, concordam com ele o baterista Luciano Grossman e o baixista Tchago, cujos trajetos serão narrados em solos mais adiante.
Assim que você ouvir o disco vai notar outros ases na manga do Leela, que significa “brincadeira dos deuses” no hinduísmo. “As músicas têm uma afinidade estética, não há nada que quebre a unidade”, constata Rodrigo. “É tudo direto, objetivo”, emenda Luciano. O quarteto pega pesado nas guitarras, mas de forma enxuta, sem gordura, como a sensualidade com um toque de perversidade dominatrix das letras. “Sou uma boneca má / só vim aqui pra te ganhar”, chicoteia “Uma chance”. “Gosto de ser invadida / me sentir vigiada”, entrega “Ver o que faço”. Uma das letras nasceu no ICQ do computador, Bianca desguiando-se de um insistente. “Finjo ser invisível pra não ter que te encarar”, digitou. Já “Odeio gostar” foi feita em 15 minutos e a inspiração veio não de um caso amoroso, mas de uma virada de bateria inventada por Luciano e enviada ao casal por e-mail.
Os refrões estalam e também estilhaçam (n)os ouvidos: “eu odeio gostar de você”! “Eu te amo” aqui só entra, “sem nenhuma ironia”, se o cara for “um viciado”, para ela ser “sua heroína”. No rigoroso controle anti-glicose do enredo, o parceiro Fausto Fawcett só emplacou “o meu amor” por conta do complemento urgente – “é xeque-mate pra qualquer um”. Rock chiclete? Só com sangue, “amoroso souvenir”.
A banda que nasceu em 2000 de uma costela do Polux, outra do Moebius e debutou numa modesta pizzaria de Nova Iguaçu – mas já a bordo da atitude de tocar repertório próprio – chega ao disco inaugural escolada nas quebradas. Rodrigo, do Moebius (antes, do Nunfód!), era primo da melhor amiga de Bianca. Esta tentou formar uma “girrrls band” com Eva (mim), Marcela (Number 4) e a primeira Fender Stratocaster. Mas acabou na escola aberta do Polux, onde foi aprendendo as manhas com Rodrigo. Já no Leela, a lapidação na estrada continuou. De um restaurante de platéia desatenta na Taquara às quatro mil pessoas ligadonas, no Espaço das Américas, em Sampa. De repente, arrebenta a corda do baixo, mas é preciso seguir o show. “Na adversidade, a gente aprendeu a ter sempre um plano B”, admite Luciano. Não foi diferente no caso da gravação realizada em tempo curto (“já vínhamos ensaiando nos shows esse repertório”, aparteia Rodrigo) , entre 12 e 15 dias. Ficou engavetada meses até acomodar-se o maremoto do mercado e finalmente a torre de comando – nas mãos do produtor e agora empresário da banda, Rick Bonadio – liberar a decolagem tão ansiada.
Bianca quase ficou sem voz, botou todas as bases (e fez as dobradas, certeiras, precisas) em dois dias. Tchago, o caçula de apenas vintinho (“com cara de 16”, zoam os outros), estava ainda no aquecimento: ingressava na banda e jogava pro alto um curso de desenho industrial. Luciano sempre pautou sua bateria pelo metrônomo, o que facilitou botar o ritmo nos trilhos. As guitarras da dupla central soavam no ponto. “Ninguém firula no som”, delimita Bianca, responsável pela única extravagância do instrumental do CD, o theremin. Trata-se de um pré-sintetizador inventado por um russo, que ela encomendou ao fabricante autorizado, o lendário Robert Moog, nos EUA. “Veio desmontado com o manual, mas preferimos chamar um técnico para não ter erro”, diz Rodrigo. E antes tinha rolado uma demo de cinco músicas, ainda com Christian, do Jimi James, no baixo, instrumento que teve mais revezamentos antes da formatação final. E tome estrada. Até o início de 2003 foram 100 shows do Leela, muito para uma banda indie. Todos usavam seus contatos em cada apresentação para emendar uma seguinte. “Eu ligava oferecendo shows pelos lugares que íamos passar”, mapeia Bianca. “Às vezes não tinha nem amplificador”, ri.
Só que ela vinha de ralações anteriores. Menina carioca “metida”, subitamente transplantada para Itaipava, “na época uma roça, era difícil telefone lá”, Bianca foi estudar em Petrópolis. Trocava a hora do recreio por audições clandestinas do Deep Purple embaixo da mesa do professor. Acabou escalada para fazer um programa de rádio-escola na Tribuna, de propriedade da família real dos Orleans e Bragança, representando o colégio Werneck. Era para ser um rodízio entre escolas, mas ela saiu-se tão bem que acabou titular do horário. “Ganhava meio salário mínimo” e criou o programa “Alternative Mind”. Durou dois anos, sintonizado e elogiado pela imprensa carioca e monitorado por censores internos. Tentavam proibi-la (sem resultado) de tocar os pesados de sua predileção como “Why Go” do Pearl Jam. Bianca era punk / metal convicta. Sua dieta diária era Megadeth, Biohazard, Dead Kennedys, Faith No More e ... Nirvana.
Pode-se dizer que a banda do tresloucado genial Kurt Cobain está na matriz do Leela. Rodrigo Brandão foi quem fez a mais longa viagem até chegar a ela. Filho de um mito do rock oitentista, Arnaldo Brandão do Brylho, do Hanoi Hanoi, de aventuras emepebistas ao lado de Caetano e Jorge Ben, Rodrigo teve uma longa fase beatle até que a mãe o aplicou de Pretenders. Viciado em rock dos 60 / 70 (Iggy Pop, Lou Reed), ele surpreendeu a vendedora de uma loja de discos nos EUA. A lista encomendada pelo pai (Wilco, Sonic Youth, Beck, Smashing Pumpkins) era bem mais alternativa que suas próprias encomendas. O “anti-show” do Nirvana no Brasil completou o rito de passagem.
Arnaldo é homenageado com a inclusão de sua parceria com Lobão e Tavinho Paes, “Bla-blá-blá...eu te amo (Rádio Blá)”, que caiu como luva no repertório rascante. “O Tavinho contou que a letra foi escrita na Pizzaria Guanabara num fim de noite no Baixo Leblon”, fala Rodrigo. É a narração de uma briga de um casal yuppie, pontilhada ao fundo pela trilha sonora do radinho do restaurante. A propósito, Tavinho entrou na parceria revogando a letra anterior, cujo título, “Senhor da Guerra”, coincidiu com o de uma música do Legião Urbana.
No caso do baterista Luciano a epifania ocorreu em San Diego num intercâmbio aos 14 anos. “A música me salvou”, confessa ele que acumula “sem conflitos” também a bateria da nova banda Luisa Mandou um Beijo, prestes a estrear. E por um tempo, após um hiato com o braço machucado, quase seguiu carreira como técnico de som. Além do Nirvana, sua cabeça e tímpanos foram feitos também pelos Ramones, Metallica, Doors. Nas baquetas teve sua fase Neil Peart do Rush, marcou John Bonhan (Led Zeppelin) em cima até chegar a Dave Grohl. Mas nunca se ligou muito nos influenciados pelo jazz como Ginger Baker. “Tive também minha onda metal com o Pantera, mas o grunge mudou minha visão. Eu achava que quem tocava mais rápido era o melhor”, reavalia.
O caçula Tchago (“minha história é bem mais curta”, brinca) foi na ordem inversa. Primeiro Metallica, Faith No More, depois Beatles. “Meu sonho era tocar bateria”, admite. Mas a familia não liberou a zoeira. Contentou-se com o baixo, que o irmão já tocava. Dividiu a tietagem entre Pearl Jam, Red Hot e Rage Against the Machine. Individualmente começou a seguir as pegadas de Flea (“mas já desencanei do “slap”), dos jazzistas Stanley Clarke (“hoje acho farofeiro”), Marcus Miller e do ícone Jaco Pastorius. “Atualmente me interesso mais pelo lado melódico”, diz. Como se tivesse passado séculos nas fases anteriores.
Todo esse percurso / aprendizado / práxis deu nas 11 faixas concisas do Leela de estréia, um diamante bruto lapidado, se me entendem. “Espero que gostem de todas as músicas, nada de ficar pulando as faixas”, decreta Bianca. Ela lembra um show onde ofereceram 45 minutos de palco ao grupo e eles só tocaram 30. “É melhor quererem mais do que ficarem loucos para a gente sair”, filosofa Rodrigo. O quero mais (muito mais), sem dúvida, será a nota dominante deste primeiro Leela na veia. Sem glacê ou aditivos.

AVISO: QUEM QUISER VER E OUVIR O LEELA DE PERTINHO E AO VIVO É SÓ IR AO MACADÂMIA DIA 15/11/2005 EM BRASÍLIA!


1.ODEIO GOSTAR
2.VER O QUE FAÇO
3.TE PROCURO - ouvir
-
4.UMA CHANCE
5.PRATO PRINCIPAL
6.QUALQUER UM
7 .ROMANCE FUGITIVO
8.BEIJOS QUENTES
9.BLÁ BLÁ BLÁ ... EU TE AMO ( RÁDIO BLÁ )
10.ÚLTIMO JANTAR
11.SOU ASSIM

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