31 agosto 2006

Gladiador 2 ?

O diretor Ridley Scott confirmou que planeja filmar uma sequência de O Gladiador com Russell Crowe, apesar da personagem de Crowe'ter morrido no fim do filme. A idéia tinha sido originalmente cogitada em 2003, mas foi abortada, mas as coisas estão agora para em seu caminho.
Scott diz, “eu farei provavelmente uma sequência ao Gladiator. O único problema é Russell Crowe era uma presença tão poderosa e, naturalmente, Maximus morreu no fim.
fonte:Hollywood.com

29 agosto 2006

SBT exibe episódios inéditos de Chapolin!


O SBT programou este ano muitas novidades para os fãs de seriados. Mas a maior surpresa veio sem nenhuma propaganda. A emissora de Silvio Santos está exibindo - sem nenhuma ordem ou data certa - episódios inéditos do seriado mexicano “Chapolin”.

A série do herói mexicano é exibida desde 1984 pelo SBT e teve todos os seus episódios dublados entre 1984 e 1987. Agora 20 anos depois a emissora colocou no ar estes capítulos da série clássica com a dublagem original. A última vez que isso tinha acontecido foi em 1998 quando foi ao ar pela primeira e única vez “Juleu e Romieta – Parte 2”, antes disto os últimos episódios novos foram em 1994.

Como já foi dito, os episódios foram dublados até 1987 pelos estúdios MAGA de São Paulo com direção de Marcelo Gastaldi (o dublador do Chaves) e Nelson Machado (a voz do Kiko), portanto nem todos possuem um áudio perfeito.

A seguir você confere um guia dos nove capítulos inéditos já exibidos neste ano pelo SBT.

Episódio inédito 1: “A Guerra de Secessão” (“Guerra de Secession”)

Data de exibição: 22/04/2006 – 12h45

Explicação: “Guerra de Secessão” é na verdade um esquete com os atores do programa vivendo personagens da clássica guerra americana. Nela os Estados do norte e do sul brigam pela libertação dos escravos e o personagem vivido por Roberto Gómez Bolamos (o “Chapolin”) foge da guerra e para não ser fuzilado disfarçasse de escravo.

No México o quadro inédito vinha originalmente antes do episódio “Mão negra” de “Chapolin”, mas na edição nacional das fitas feita pelo SBT nos anos 80, a aventura do Vermelinho ia ao ar antes da segunda versão do capítulo “A Construção”, que no original também vinha com outro programete do Dr. Chapatin.

O episódio exibido teve mais duas versões (a terceira chegou a ser exibida no Brasil dentro do programa “Clube do Chaves”) e causa polêmica por ser uma critica social ao racismo. Em um dos diálogos a personagem vivida pela atriz Florinda Meza (Dona Florinda) diz: “Se libertarmos os negros quem trabalhará pra gente? Os mexicanos?”.

Episódio inédito 2: “Fotos no Museu, Não!” ("Las estatuas no dicem Chanfle!")

Data de exibição: 29/04/2006 – 12h45

Explicação: Este é um dos maiores clássicos de “Chapolin”, o encontro do Doutor Chapatin com o Vermelinho. Mais que isto, no tão esperado capítulo, o próprio médico é que invoca o herói com a frase “E agora quem poderá me defender?”.

Na história Dr. Chapatin quer tirar fotos em um museu, o que é proibido, e provoca muitas confusões. Enquanto isto, ladrões que pretendem roubar as estatuas do local são descobertos e cabe ao Chapolin Colorado detê-los.

Antes disto, os encontros entre os personagens de Roberto Gómez Bolamos foram em raras ocasiões, à maioria delas em episódios especiais. Em um deles, Chapolin conta à história da “Branca de Neve” para as crianças da escola do Professor Girafales. Outro ocorre em uma festa à fantasia e reúne personagens dos seriados “Chompiras”, “Chaves”, “Doutor Chapatin” e “Chapolin” em uma mesma história, mas novamente trata-se de um episódio feito da junção de vários pequenos quadros e não uma aventura regular da série com os mesmos interagindo normalmente.

Episódio inédito 3: “De Noite Todos os Gatos Fazem Miau – Versão 1” ("De noche todos los gatos hacen miau")

Data de exibição: 20/05/2006 – 13h45

Explicação: Na aventura, Chapolin ajuda um casal que tem problemas com um gato que não para de miar e não consegue deixar a dona da casa dormir. Para ajudá-lo na missão ele conta com o “apoio” de um guarda noturno muito atrapalhado.

Um “remake” (nova versão) deste episódio já tinha ido ao ar no próprio SBT dentro do finado programa “Clube do Chaves” (“Chespirito”) com o nome de “Atirei o pau no gato”, com mudanças no elenco e a participação do carteiro Jaiminho (do seriado “Chaves”). Além, claro, de uma outra dublagem.

Episódio inédito 4: “A Ameaça do Mosquito Biônico” ("La amenaza del mosquito biónico")

Data de exibição: 17/06/2006 – 13h45

Explicação: Este talvez seja o episódio dos “inéditos” que mais causou polêmica entre os fãs de Chapolin. Foi o único em que os fãs de dividiram entre ser um “inédito” ou um “perdido”. Isto porque alguns fãs juram que este episódio foi exibido uma única vez pelo SBT em 1994. Mas como o fato não pode ser comprovado, ficou decido pela maioria dos sites e fã-clubes que ele seria inédito.

O motivo de tanta discórdia é que existem muitas versões diferentes (remakes) para um mesmo episódio na mitologia das séries “Chaves”, “Chapolin” e “Chespirito”. Roberto Gómez Bolaños cria várias histórias parecidas da turma e às vezes existe uma mesma trama só que envolvendo personagens bem diferentes como Chompiras ou Chaparrón Bonaparte. Seria a “repetição de piadas” que ocorrem até hoje na “Turma do Didi” com as esquetes do finado “Trapalhões”, por exemplo.

Nesta trama, por exemplo, um cientista descobre um mini-disco voador e dentro dele estaria um marciano ou, como vemos nesta versão, ele opera um mosquito biônico. Resumindo, várias versões para a mesma piada.

Existem pelo menos cinco versões para esta história. A primeira está disponível no BOX 1 dos DVDs de Chaves lançado no Brasil. A segunda passou várias vezes no SBT com o título de “O Mini-Disco Voador” (exibida junto com o episódio “O Fantasma do Índio do Riacho-Molhado”) as outras duas foram ao ar no seriado Chespirito (“Clube do Chaves”) na CNT/Gazeta e no SBT.

Episódio inédito 5: “A História de Don Juan Tenório” (“La historia de Don Juan Tenório")

Data de exibição: 01/07/2006 – 13h45

Explicação: Considerado um dos melhores e mais engraçados capítulos da série, conta à história de "Don Juan Tenório", romance escrito em 1844 por D. José Zorrilla. As aventuras do herói Tenório foram narradas por Chapolin, que conta como o homem morreu e posteriormente reencontrou seus amigos e adversários no cemitério.

O episódio foi ao ar foi cheio de defeitos de imagem e som, além do final cortado. Tais problemas poderiam justificar o porque dele não ter sido exibido anteriormente. A dublagem também apresentou problemas, mas realmente foi um trabalho complicado de tradução e direção, já que todas as falas são em rimas, o que complica quando o texto muda do espanhol para o português.

Um humor negro que olha para a morte com uma cara mais “simpática” do que o modo como normalmente é visto na televisão. Melhor frase do episódio: "Não tava morto, só andava falecido”.

Episódio inédito 6: “O Transplante de Mão” ("Sólo no puede mano negra")

Data de exibição: 08/07/2006 – 13h45

Explicação: De todos os capítulos inéditos é o que possui menor quantidade de informações na Internet. Este episódio é na verdade a junção de dois mini-episódios de “Chapolin” que juntos criam uma história completa com uma lição de moral bacana.

A história começa com um homem disposto a ir para o espaço com ajuda de uma nave com ele projetou e que será lançado ao espaço com ajuda de bananas de dinamite. O problema ocorre quando o artefato explode deixar nosso herói ferido. No hospital descobrimos que ele perdeu a mão no acidente e no lugar o médico implantou a mão de uma bailarina que passa a ter “vida própria” e comandar os movimentos do Vermelinho. No final ele troca de mão novamente e fica com a mão de... Uma macaca! Lição de moral? Crianças não brinquem com explosivos!

Neste episódio, Horácio Gómez (Godinez) é dublado por Hélcio Sodré (Shiryu de “Os Cavaleiros do Zodíaco”), que fez o ator nos últimos episódios dublados no país e não pela sua voz regular na série.

Episódio inédito 7: “O Presente de Casamento” (Se regalan ratones)

Data de exibição: 29/07/2006 – 13h45

Explicação: Mais um episódio do momento politicamente correto de “Chapolin” com uma lição de moral no final. Na trama uma secretária está prestes a ser demitida pelo seu chefe por ter trocado dois presentes de casamento que deveria ter enviado no nome dele. Deu um par de vasos pra filha do ministro e uma televisão para a filha do porteiro, quando o certo seria o contrário. Mas no final nosso herói mostra que o correto a se fazer era o já que tinha acontecido, ou seja, quem realmente precisava ganhou o melhor presente.

Neste episódio Chapolin usa o sanitário e solta uma das melhores frases da série "Os heróis também vão ao banheiro". Ainda descobrimos que o Vermelinho só estudou até o segundo ano do primário. Este capítulo seria refilmado anos depois como uma história do personagem Chompiras no seriado “Chespirito”.

Episódio Inédito 8: “Dr. Chapatin: O Doutor é um Assassino” (“El doctor és un asesino”)

Data de exibição: 12/08/2006 – 13h45

Explicação: Este episódio foi ao ar originalmente no México com o episódio “A Morte de Chapolin”. Só que no Brasil, este capítulo era precedido por “O Vampiro”. Agora o SBT finalmente exibiu a ordem certa e - por conseqüência - a esquete inédita, que possui apenas cinco minutos de duração.

Na trama, o Dr. Chapatin chega desesperado ao seu consultório após ter assassinado um ser com seu carro. A enfermeira tenta acalmá-lo falando que ele não é um assassino, já que o acidente ocorreu sem intenção. Mas no final não era um ser humano que ele tinha matado e sim o cachorrinho da moça.

Episódio Inédito 9: O Ladrão do Museu de Cera (Colección de rateros)

Data de exibição: 19/08/2006 – 13h50

Explicação: Este episódio já tinha cenas exibidas em propagandas do seriado “Chapolin” pelo SBT e pela primeira vez passou na integra. Um destaque deste episódio de 1975 é que Maria Antonieta (a atriz que interpreta a Chiquinha) aparece usando uma camiseta com o personagem Chaves.

Na história um ladrão rouba a bolsa de uma moça no orelhão de um parque público. Cabe ao Chapolin e a um policial trapalhão encontrarem o gatuno e prendê-lo. O problema começa quando o bandido se esconde em um museu de cera de criminosos famosos.

Os episódios "perdidos" voltam ao ar

Alguns episódios de “Chapolin” que não eram exibidos há muitos anos foram finalmente reprisados em 2006 pelo SBT, são eles “O Louco da Cabana” (que foi ao ar pela única vez em 1984), “Pedintes em Família” (sem exibição desde 1985) e “A Peruca de Sansão” (fora do ar desde 1995). Continuam sem reprise, episódios que não são transmitidos desde 1992: “O Planeta Selvagem - Versão 1”, “Dr. Chapatin: O Mistério da Autópsia” e “Chapolin e o Carateca - Versão 1”.

Episódios que só chegaram ao Brasil em DVD

Alguns episódios de “Chapolin” só chegaram ao Brasil através dos boxes de DVDs lançados pela distribuidora Amazonas Filmes. Todos com uma nova dublagem, feita no último ano pelo Studio Gabia, de São Paulo. São eles:

BOX 1 – “O Descobrimento da Tribo Perdida”, “O Vazamento de Gás - Versão 1” e “O Mini-Disco-Voador – Versão 1”, “De Médico Chapolin e Louco, Todo Mundo Tem um Pouco - Versão 1”.
BOX 2 – “A Corneta Paralisadora - Versão 3”
BOX 3 – “O Anel Mágico - Versão 2” e “A Corneta Paralisadora – Versão 1”

Episódios que o SBT exibiu apenas trechos

A teoria de que existem muitos episódios inéditos de “Chapolin” com o SBT não é explicada apenas pela ausência das primeiras (ou últimas) partes de alguns episódios ou de esquetes que vieram faltando em alguns episódios (como os do “Dr Chapatin”), mas também por capítulos que tiveram apenas alguns trechos exibidos em chamadas da emissora.

São mais de 15 episódios que teriam trechos exibidos durante as chamadas ao longo dos anos, entre eles destacamos: “O Caso do Bolo Envenenado”, “A Vila Caindo de Velha”, “Os Prisioneiros de Juana Gallo”, “Chapolin no Castelo”, “De Médico Chapolin e Louco, Todo Mundo Tem um Pouco - Versão 1” e “Os Piratas – Parte 3”.

27 agosto 2006

Trair e Coçar É Só Começar

“Trair e Coçar É Só Começar” é uma adaptação da peça homônima, escrita por Marcos Caruso. A peça, fenômeno teatral brasileiro desde que estreou em 1986, no Rio de Janeiro, não saiu mais de cartaz. Ingressou no Guiness Book como a mais longa temporada ininterrupta do teatro nacional, 20 anos, e atraiu cerca de 4 milhões de espectadores.
Inspirada no gênero "vaudeville", essa comédia de costumes trata da história da intrometida e confusa empregada Olímpia.
Olímpia ama seus patrões, Inês e Eduardo.
Eduardo ama Inês, sua mulher, que ama Eduardo , seu marido.
Inês é amiga de Lígia, que ama seu marido Cristiano.
Cristiano ama Lígia, sua mulher.
Vera ama Cláudio, seu marido, que não ama Vera.
Inês pensa que Eduardo tem um caso com Salete,
Cristiano pensa que Lígia tem um caso com Ricco, Vera pensa que Cláudio tem um caso com Inês e Eduardo pensa que Inês tem um caso com Cláudio.
A ação se passa num condomínio de classe média onde Olímpia, uma empregada trapalhona, protagoniza as maiores confusões, fazendo com que todos pensem que trair e coçar, é só começar.
Adriana interpreta Olímpia, pivô de todas as confusões do filme. A empregada doméstica trabalha para Eduardo (Cássio Gabus Mendes) e Inês (Bianca Byington). Eles estão prestes a completar 15 anos de casados e Olímpia quer fazer com que a comemoração seja perfeita. Apaixonada pelo porteiro do prédio, Nildomar (Ailton Graça), ela se mete em diversas confusões ao tentar organizar o jantar para os patrões. Eis que entram em cena os amigos do casal, Lígia (Mônica Martelli) e Cristiano (Mario Schoemberger), além dos vizinhos Cláudio (Otávio Muller) e Vera (Marcia Cabrita) e outros personagens que se metem no meio de confusões envolvendo pequenas “mentiras bem-intencionadas” (se é que isso existe realmente), sempre envolvendo a possível infidelidade dos casais envolvidos.

A direção deste filme é televisiva. O “entra e sai” de personagens em cena pode funcionar muito bem no teatro (não é à toa o sucesso estrondoso da peça), mas essa estrutura na qual o roteiro se baseia não dá certo em cinema veja o caso de Irmã Vap – O Retorno - outro recente filme baseado em peça de sucesso . Além disso, os personagens deste filme são baseados em clichês e construídos de forma caricata e preconceituosa, apesar da atuação satisfatória de Adriana Esteves. Quem disse que comédias leves e despretensiosas dispensam personagens bem-construídos? Trair e Coçar é só Começar alia o fator diversão + elenco estrelado + divulgação + peça bem-sucedida sempre acaba chamando atenção do espectador. O que não houve com Irma Vap, que saí agora em DVD .E, vamos admitir, o filme tem piadas que funcionam, mas ainda está aquém do que deveríamos esperar não somente do cinema brasileiro, mas de qualquer filme, independente da nacionalidade.

clique aqui e assista ao trailer


site oficial: www.trairecocar.com.br
trailer por: Fox Filmes

22 agosto 2006

OS VENDILHOES DO TEMPLO - Primeiro Capitulo

O episodio da expulsao do Templo por Jesus Cristo ocupa apenas dois versiculos do Evangelho, mas ganhou, ao longo dos seculos, lugar no imaginario ocidental, simbolizando o conflito entre os valores espiritual e o interesse material. Moacyr Scliar parte desse evento para criar uma narrativa que se estende por tres epocas. OS VENDILHOES DO TEMPLO e uma parabola sobre as relacoes entre crenca e poder, interesses e ideais, e culmina no Brasil de hoje.
JERUSALÉM, 33 D. C.
Moacyr Sciliar é um dos mais famosos escritores brasileiros da atualidade. Já publicou mais de cinqüenta livros, entre crônicas, contos, ensaios, romances e literatura infanto-juvenil. Seu estilo leve e irônico lhe garantiu um público bastante amplo de leitores, e em 2003 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, tendo recebido antes uma grande quantidade de prêmios literários. Suas obras freqüentemente abordam com a imigração judaica no Brasil, mas também tratam de temas como o socialismo, a medicina (área de sua formação), a vida de classe média e vários outros assuntos. O autor já teve obras suas traduzidas para doze idiomas.

Primeiro Capitulo
Nunca pensei em me tornar vendilhão do Templo, dizia ele, alto e bom som, aos que quisessem ouvir. E os que queriam ouvir (nem tantos, mas nem tão poucos: algum sucesso alcançara, em termos de vendas e de ouvintes) não tinham razão nenhuma para duvidar de suas palavras.
Nascido e criado no campo, estava destinado a ser um agricultor - como o pai e o avô. Como eles, trabalharia a sáfara terra de uma pequena propriedade. Como eles, gastaria a vida em dura rotina: acordar, sondar os céus (o que trariam as nuvens que se acumulavam no horizonte, a chuva tão esperada ou o maldito granizo que destruiria a plantação?), ir para o campo, arar, semear, colher. Como eles, teria poucas alegrias; como eles, morreria cedo, pedindo aos filhos, no leito de morte, que continuassem o seu trabalho. E isso, para uma pessoa de alta linhagem, para um descendente do patriarca Judá, era uma humilhação. Um sofrimento.
Apesar de tudo, gostava de cultivar a terra; desse trabalho falava - a quem quisesse ouvir - com minúcias que seriam até enfadonhas, não fosse a emoção que coloria suas palavras: as lágrimas vinham-lhe aos olhos quando lembrava, por exemplo, a junta de bois que puxavam o seu arado e que tivera de vender para pagar dívidas. “Onde estarão agora, os meus bois? Será que já não os mataram?” Dedicado ele era, porém mal conseguia sustentar a família com o produto das magras colheitas. Era trigo, o que plantava, e trigo teria plantado a vida toda, não fosse a concorrência do barato grão trazido do Egito e de outras partes do Império romano, e que estava arruinando muitos pequenos proprietários. Para alguns, tratava-se de uma inexorável decorrência do progresso: afinal, o que o Império estava fazendo, ainda que pela força das armas, era apagar fronteiras, era criar - sob sua égide, claro - um mundo só. Mas a ele, homem simples, pouco informado, tal explicação não convencia. Nada sabia a respeito do tal Império, entidade distante, misteriosa, sinistra. Conhecia, sim - e odiava -, os soldados romanos, de cujas arbitrariedades fora, como muitos, vítima; mas da política de grandes potências não entendia, nem queria entender, só queria viver em paz na sua terra, com sua gente.
O que, para sua amargura, tornara-se agora impossível. Revoltava-o ainda mais o fato de que muita gente conhecida comia, sem qualquer problema, pão feito do trigo estrangeiro. Era o caso de um pastorzinho que apascentava suas ovelhas ali perto. Não poucas vezes censurara o rapaz: se teu pai fosse vivo, não permitiria isso, essa traição. O jovem limitava-se a sorrir, debochado: o pão é bom, meu caro senhor, se não foi feito com nosso trigo, a mim pouco importa, o que importa é aproveitar as coisas boas e baratas, venham de onde vierem:
- Temos de aceitar a realidade: os tempos são outros.
Os tempos eram outros? Não para ele. Para ele, tudo o que dizia respeito a tempos resumia-se na cíclica sucessão dos dias e das noites, das estações do ano, no plantio e na colheita. Sempre fora assim - para seu pai, seu avô, seus antepassados. Agora vinha um pastor, um mero pastorzinho, dizer que os tempos tinham mudado. Pouca-vergonha.
Em breve, porém, teve de admitir que, desgraçadamente, o arrogante rapaz tinha razão: os tempos eram, mesmo, outros. Os preceitos morais do passado, aí incluído o respeito aos mais velhos, rapidamente desapareciam. Ele não fazia questão de ser respeitado pelo pastorzinho, não lhe importava. Mas a pobreza e a fome desmoralizavam-no, abatiam-no por completo. Não se lembrava de tempos como aqueles; os mais velhos falavam de secas que tinham durado anos, de gente comendo casca de árvore; nunca acreditara, ou, se acreditara, não achava que tais catástrofes pudessem acontecer de novo: apesar de tudo, procurava manter-se otimista. Mas agora a desgraça tinha caído sobre ele e sua família como ave de rapina; além da escassa colheita, os impostos: o fisco tinha levado o pouco que sobrara. Resistiu enquanto pôde, vendendo inclusive objetos da casa; por fim, não lhe restando alternativa, reuniu a mulher e os dois filhos (dois outros tinham morrido, um de febres, outro - o mais velho, o primogênito em quem via o seu sucessor - assassinado: bandidos não faltavam, naqueles tempos tenebrosos) e disse-lhes: é inútil, não podemos mais ficar aqui, temos de partir.
Choraram muito, os familiares; não queriam abandonar aquele lugar, a terra que amavam. Mas a verdade é que estavam todos cansados de sofrer. A mulher, coitada, não se habituava às privações; filha única do próspero dono de uma vinha, deixara o conforto da casa paterna para repartir com o marido o pão da pobreza. Fazia milagres para que a comida rendesse, remendava as roupas para que durassem mais. Mas suas forças haviam chegado ao limite; tão doente estava que mal caminhava, arrastava-se dentro da casa (casa? A palavra era até irônica, em verdade moravam num tugúrio) tentando dar conta das tarefas domésticas. Ele olhava o seu rosto fanado e perguntava-se: é essa a linda jovem cujos lábios um dia eu beijei com ternura e paixão? Essa é a moça cujo porte eu comparava ao de uma princesa? A angústia traduzia-se em pesadelos: não raro acordava à noite gritando.
Sim, tinham de partir. E, já que iriam viver longe da terra, que o fizessem não numa aldeia ou numa pequena cidade, mas na capital, que, apesar de ocupada pelas tropas do Império (ou justamente por isso), oferecia melhores oportunidades de trabalho.
A primeira coisa a fazer era vender a propriedade. Que, a rigor, não lhe pertencia; de acordo com a tradição, as terras eram de Deus, os homens só podiam dispor delas para seu sustento. Mas, como dizia o irônico pastorzinho, os tempos eram outros, e ele precisava de dinheiro para começar vida nova. Procurou o rico proprietário que já adquirira as terras de vários de seus vizinhos.
Foi uma penosa negociação. O homem, indiferente a seu sofrimento, tratou de tirar proveito da situação, oferecendo muito menos do que as terras valiam. Sem alternativa, ele acabou aceitando a oferta. Recebeu o dinheiro, pagou as dívidas; com o pouco que restava, partiram.
[…]

19 agosto 2006

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18 agosto 2006

A casa do lago

Refilmagem do longa coreano de 2000 “Siworae” (conhecido como “Il Mare”), de Lee Hyun-seung, “A Casa do Lago” é um filme interessante, que foge um pouco dos romances que chegam aos cinemas na atualidade. Carregado de emoções, o filme deixa o espectador com uma sensação de alívio e felicidade ao final do mesmo, a pessoa percebe que viu algo ao mesmo tempo bonito e inteligente.
Sentindo que chegou a hora de mudar de vida, a Dra. Kate Forster (Sandra Bullock) deixa Illinois, onde morava numa área afastada e onde completou a residência, para trabalhar num movimentado hospital em Chicago. O que reluta em deixar para trás é a bela casa que alugava — espaçosa e artisticamente desenhada, com janelões que se abrem para um lago. Um lugar em que podia sentir seu verdadeiro eu. É uma manhã de inverno em 2006. Na partida, Kate deixa um bilhete na caixa de correio para o próximo inquilino, pedindo que encaminhe a ela a correspondência e dizendo que as inexplicáveis marcas de patas na porta da frente já estavam lá quando ela se mudou. Quando o novo inquilino chega, vê um quadro bem diferente. Alex Wyler (Keanu Reeves), um arquiteto talentoso e frustrado, que trabalha numa construção próxima, encontra a casa bem maltratada: suja, empoeirada, coberta de ervas daninhas. E sem qualquer sinal de marcas de patas. A casa possui um significado especial para Alex. Em tempos mais felizes, foi construída por seu distante pai (Christopher Plummer), arquiteto renomado que sacrificou a vida familiar em função da profissional. Alex sente-se em paz ali agora e se compromete a devolver à propriedade sua beleza original. Não dá atenção ao bilhete de Kate até que, dias depois, pintando o píer maltratado pelo tempo, vê um cachorro perdido pisar na tinta fresca em direção à entrada da casa, deixando marcas de patas exatamente onde Kate tinha descrito. Intrigado, Alex escreve a Kate, dizendo que a casa estava vazia antes de ele chegar, sem entender como ela poderia saber do cachorro. Kate, que partira uma semana antes, imagina que ele esteja de brincadeira e responde: "Só por curiosidade, que dia é hoje aí? 14 de abril de 2004". "Não", diz ela. "É dia 14 de abril de 2006". O mesmo dia, com dois anos de diferença. Mas isso é possível? À medida que Kate e Alex continuam a se corresponder, eles confirmam que, apesar de isso ser inacreditável, impossível, estão vivendo em anos diferentes... ambos lutando contra decepções do passado e tentando refazer a vida. Unidos por este estranho fato, a cada semana se abrem mais um com o outro – dividem segredos, dúvidas e sonhos, e acabam se apaixonando. Determinados a superar a distância que os separa e finalmente desvendar o mistério por trás dessa relação extraordinária, desafiam o destino marcando um encontro. Mas, ao tentarem unir seus mundos distintos, podem correr o risco de se perderem para sempre.
Essa diferença temporal é o grande diferencial do filme, pois consegue transformar tal trama em algo plausível. É claro que é irreal, mas essa é a beleza do cinema, transportar para as telonas algo além de nossa realidade. O fato de a diferença temporal ser pequena, apenas dois anos, é outro ponto positivo, pois deixa a expectativa de que um dia os dois podem acabar se trombando, sem que fosse necessária uma máquina do tempo.
Passados doze anos desde que trabalharam juntos no clássico “Velocidade Máxima”, Keanu Reeves e Sandra Bullock voltam a trabalharem juntos. Sandra prova que está na melhor fase de sua carreira e, após brilhar no Oscarizado “Crash - No Limite”, é responsável pelas seqüências mais emocionantes de “A Casa do Lago”. Já Keanu foi o responsável pela pior cena de espiro da história do cinema (hauhauhuahua... parece algo estranho de se falar, mas vocês notarão!). A história é muito bonita, apesar de um pouco previsível. O filme é dirigido com competência pelo argentino Alejandro Agresti, em seu primeiro trabalho em língua inglesa.
Curiosidade: o endereço do apartamento da personagem de Sandra Bullock, 1620 Racine, é o mesmo em que morava o personagem de Sean Connery em “Os Intocáveis”.

Site Oficial: www.acasadolago.com.br (Português)
www.thelakehousemovie.com (Inglês)

12 agosto 2006

Evanescence - Call me when you're sober - The open door

Já está online o novo single do Evanescence "Call me when you're sober" que faz parte do seu segundo album de estúdio, o aguardado "The open door"que tem lançamento previsto para o dia 03 de outubro deste ano. A banda já esreiou seu novo site, todo ambientado na temática do album.

Tracklist:
1. Call me when you're sober clique aqui e ouça*
2. Sweet Sacrifice
3. weight of the world
4. Lithium
5. Cloud nine
6. Snow white Queen
7. Lacrymosa
8. Like you
9. Lose control
10. The only one
11. You Star
12. All that i'm living you
13. Good enough

Site Oficial : www.evanescence.com

* Música por O Globo

08 agosto 2006

Mentiras no divã - Primeiro capítulo


MENTIRAS NO DIVA e uma historia tensa e eloquente, porem bem-humorada, em que dilemas de lealdade apresentam-se com clareza e vigor explorando os jogos de poder e os vinculos interpessoais. Num romance ao mesmo tempo tocante e angustiante o autor explora as delicadas fronteiras entre terapeuta e inquisidor. Irvin D. Yalom retorna com uma historia ambiciosa sobre as suas virtudes e os principios da terapia.

SINOPSE:

Três vezes por semana durante os últimos cinco anos, Justin Astrid tinha começado o dia com uma consulta com o dr. Ernest Lash. Sua consulta de hoje tinha começado como qualquer outra das setecentas sessões de terapia anteriores: às 7:50h da manhã, subia as escadas externas do edifício vitoriano na rua Sacramento, elegantemente pintado em malva e mogno, atravessava o vestíbulo, subia ao segundo andar e entrava na sala de espera tenuemente iluminada de Ernest, permeada com o aroma penetrante e úmido do café italiano escuro torrado. Justin inspirou profundamente, depois verteu o café numa caneca japonesa adornada com um caqui pintado à mão, sentou-se no rígido sofá de couro verde e abriu a seção de esportes do San Francisco Chronicle.

Mas Justin não conseguiu ler sobre o jogo de beisebol do dia anterior. Não neste dia. Algo muito importante tinha acontecido - algo que exigia comemoração. Ele dobrou o jornal e olhou fixamente para a porta de Ernest.

Às 8:00h, Ernest colocou a pasta de Seymour Trotter no arquivo, passou os olhos rapidamente pelo prontuário de Justin, endireitou a mesa, colocou o jornal numa gaveta, colocou a xícara de café fora de vista, levantou-se e, logo antes de abrir a porta do consultório, olhou para trás para examiná-lo. Sem sinais visíveis de habitação. Bom.

Abriu a porta e, por um momento, os dois homens se olharam. Curador e paciente. Justin com seu Chronicle na mão, o jornal de Ernest escondido bem no fundo da mesa. Justin no seu paletó azul-escuro e gravata listrada de seda italiana. Ernest num blazer azul-marinho e gravata florida Liberty. Ambos com sobrepeso de sete quilos, a pele de Justin transbordando no queixo e papadas, a barriga de Ernest se arqueando sobre o cinto. O bigode de Justin enrolava para cima, em direção às narinas. A barba bem cuidada de Ernest era sua característica mais arrumada. O rosto de Justin era expressivo, nervoso; seus olhos, irrequietos. Ernest usava óculos grandes e conseguia passar longos períodos sem piscar.

- Deixei minha mulher - começou Justin, depois de tomar um assento no consultório. - Ontem à noite. Simplesmente saí de casa. Passei a noite com a Laura. - Ele ofereceu estas primeiras palavras calma e desapaixonadamente, depois parou e olhou Ernest detidamente.

- Simples assim? - Ernest perguntou tranqüilamente. Sem piscar.

- Simples assim. - Justin sorriu. - Quando vejo o que precisa ser feito, não perco tempo.

Um pouco de humor tinha se insinuado na interação entre eles nos últimos meses. Normalmente, Ernest considerava algo bem-vindo. Seu supervisor, Marshal Streider, tinha dito que o aparecimento de ação secundária bem-humorada na terapia era freqüentemente um sinal propício.

Mas o comentário “simples assim” de Ernest não tinha sido uma ação secundária de boa-fé. Ficou inquieto com o anúncio de Justin. E irritado! Ele estava tratando Justin há cinco anos - cinco anos dando o maior duro para tentar ajudá-lo a deixar a mulher! E, hoje, Justin o informa casualmente que deixou a mulher.

Ernest voltou a pensar na primeira sessão deles, nas primeiras palavras do Justin: “Preciso de ajuda para cair fora do meu casamento!” Durante meses, Ernest tinha investigado minuciosamente a situação. Finalmente, ele concordou: Justin deveria cair fora - era um dos piores casamentos que Ernest já tinha visto. E, nos cinco anos seguintes, Ernest tinha empregado todos os recursos conhecidos da psicoterapia para capacitar Justin a ir embora. Todos tinham fracassado.

Ernest era um terapeuta obstinado. Ninguém jamais o tinha acusado de não tentar com suficiente afinco. A maioria dos colegas o considerava ativo demais, ambicioso demais na sua terapia. Seu supervisor estava sempre dizendo, num tom de reprimenda: “Ô, rapaz, baixe a bola! Prepare o terreno. Você não pode forçar as pessoas a mudar.” Mas, finalmente, até Ernest foi forçado a perder a esperança. Embora nunca tenha deixado de gostar de Justin e nunca parado de esperar por coisas melhores para ele, Ernest gradualmente começou a ficar mais convencido de que Justin jamais deixaria a mulher, que ele era inamovível,

que poderia ficar encalhado por toda a vida num casamento torturante.

Ernest então definiu metas mais limitadas para Justin: obter o melhor de um mau casamento, tornar-se mais autônomo no trabalho, desenvolver melhores aptidões sociais. Ernest poderia fazê-lo tão bem quanto o terapeuta da porta ao lado. Mas era um tédio. A terapia ficava cada vez mais previsível; não acontecia nada de inesperado. Ernest sufocou os bocejos e empurrou os óculos para cima da ponte do nariz para se manter desperto. Já não discutia Justin com o supervisor. Imaginava conversas com Justin nas quais ele levantava a questão de encaminhá-lo a um outro terapeuta.

E aqui, hoje, Justin entra tagarelando e anuncia com indiferença que deixou a mulher!

Ernest tentou esconder seus sentimentos, limpando seus óculos com um lenço de papel arrancado da caixa.

- Conte-me sobre isso, Justin. - Péssima técnica! Percebeu instantaneamente. Colocou de volta os óculos e anotou no seu bloco: “Erro - pedi informações - contratransferência?”

Mais tarde, na supervisão, ele repassaria essas anotações com Marshal. Mas ele próprio sabia que foi bobagem tentar extrair informações. Por que precisaria tentar induzir Justin a continuar? Ele não devia ter se deixado controlar pela curiosidade. Incontinente - é como Marshal o tinha chamado duas semanas antes. “Aprenda a esperar”, diria Marshal. “Deveria ser mais importante Justin lhe contar do que você ouvir. E, se decidir não lhe contar, então você deve se concentrar nos motivos pelos quais ele vem consultá-lo, paga seus honorários e, ainda assim, sonega informações.”

Ernest sabia que Marshal tinha razão. Ainda assim, não se importava com a correção técnica - esta não era uma sessão comum. O sonolento Justin tinha despertado e largado a mulher! Ernest olhou seu paciente; seria sua imaginação ou Justin parecia mais poderoso hoje? Nada do baixar a cabeça obsequioso, sem a postura encolhida, sem se mexer irrequietamente na cadeira para ajustar a cueca, nenhuma hesitação, sem pedidos de desculpa por deixar cair o jornal no chão ao lado da cadeira.

- Bem, eu gostaria que houvesse mais para contar... Tudo correu tão facilmente. Foi como se eu estivesse no piloto automático. Simplesmente fiz. Simplesmente saí andando! - Justin caiu em silêncio.

De novo, Ernest não conseguiu esperar. - Fale-me mais, Justin.

- Deve ter alguma coisa a ver com Laura, minha jovem amiga.

Justin raramente falava de Laura, mas, quando o fazia, ela era sempre simplesmente “minha jovem amiga.” Ernest achava isso irritante. Mas não deixou transparecer nada e permaneceu em silêncio.

- Você sabe que eu a tenho visto muito; talvez eu tenha minimizado um pouco para você. Não sei por que escondi de você. Mas eu a tenho visto quase diariamente, para almoçar ou dar uma caminhada, ou para subir no apartamento dela para uma diversão na cama. Eu estava me sentindo cada vez mais unido, à vontade, com ela. E então, ontem, Laura disse, de uma maneira bem trivial: “Está na hora, Justin, de você vir morar comigo.”

“E você sabe”, Justin continuou, “roçando para tirar os pêlos da barba que faziam cócegas nas narinas”, pensei: ela tem razão, está na hora.

Laura diz a ele para largar a mulher e ele a larga. Por um momento, Ernest pensou num ensaio que tinha lido uma vez sobre o comportamento de acasalamento dos peixes em recifes de coral. Aparentemente, os biólogos marinhos conseguem identificar com facilidade o peixe fêmea e macho dominantes: simplesmente observam a fêmea nadar e observam o quanto ela perturba visivelmente os padrões de nado da maioria dos peixes machos - todos, exceto os machos dominantes. O poder da bela fêmea, peixe ou humana! Impressionante! Laura, mal saída do segundo grau, teve simplesmente de dizer a Justin que estava na hora de largar a mulher e ele tinha obedecido. Enquanto ele, Ernest Lash, um terapeuta talentoso, altamente talentoso, tinha desperdiçado cinco anos tentando tirar Justin do casamento.

- E, então - Justin continuou -, em casa, na noite passada, Carol facilitou as coisas para mim, pois se mostrou detestável como de costume, martelando a velha tecla de eu não estar presente. “Mesmo quando você está presente, você está ausente”, ela disse. “Puxe sua cadeira até a mesa! Por que é que você fica sempre tão longe? Fale! Olhe para nós! Quando foi a última vez que você fez um único comentário espontâneo para mim ou as crianças? Onde você está? Seu corpo está aqui. Você não está!” No fim da refeição, quando ela estava limpando a mesa e batendo e tinindo os pratos, ela acrescentou: “Nem mesmo sei por que você se dá ao trabalho de trazer o seu corpo para casa.”

“E então, de repente, Ernest, a coisa bateu: a Carol está certa. Ela tem razão. Por que me dou ao trabalho? Repeti novamente para mim mesmo: Por que é que me dou ao trabalho? Então, sem mais sem menos, eu disse em voz alta: ‘Carol, você tem razão. Nisto, como em todas as outras coisas, você está certa! Não sei por que me dou ao trabalho de vir para casa. Você está inteiramente certa.’

“Assim, sem nenhuma outra palavra, subi, empacotei tudo o que pude na primeira mala que encontrei e saí andando de casa. Tive vontade de levar mais coisas, de voltar para dentro para pegar mais uma mala. Você conhece a Carol, ela vai destruir e queimar tudo o que eu deixar para trás. Quis voltar para pegar meu computador; ela usará um martelo nele. Mas sabia que era agora ou nunca. Entre de novo na casa, eu disse a mim mesmo, e você estará perdido. Eu me conheço. Conheço a Carol. Não olhei nem para a direita nem para a esquerda. Continuei andando e, logo antes de fechar a porta da frente, coloquei a cabeça para dentro e gritei, sem saber onde Carol ou as crianças estavam: ‘Eu te telefono.’ E, então, me afastei dali!”

Justin estava debruçado para a frente, na sua cadeira. Tomou um fôlego profundo, inclinou-se para trás exausto e disse: - E isto é tudo o que há para contar.

- E isso foi na noite passada?

Justin assentiu. - Fui diretamente para a casa da Laura e ficamos abraçados a noite inteira. Deus, foi difícil sair dos braços dela esta manhã. Mal consigo descrever como foi difícil.

- Tente - incitou Ernest.

- Bem, quando comecei a me desprender da Laura, subitamente vi a imagem de uma ameba se dividindo em duas, algo em que não tinha pensado desde as aulas de biologia no colegial. Éramos como as duas metades da ameba, separando-se pedacinho por pedacinho até que havia apenas um único e delgado filamento nos conectando. E, então, plop - um doloroso plop -, e estávamos separados. Eu me levantei, me vesti, olhei para o relógio e pensei: Só mais 14 horas até eu estar de volta na cama, novamente preso à Laura. E então vim para cá.

- Aquela cena com Carol na noite passada, você teve pavor dela por anos. Mesmo assim, você parece decidido.

- Como eu disse, Laura e eu combinamos, pertencemos um ao outro. Ela é um anjo - criada no céu para mim. Esta tarde, vamos procurar um apartamento. Ela tem um pequeno estúdio na Russian Hill. Linda vista da Ponte da Baía. Mas pequeno demais para nós.

Criada no céu! Ernest sentiu vontade de vomitar.

- Se ao menos - continuou Justin - Laura tivesse aparecido anos atrás! Estivemos conversando sobre quanto de aluguel poderemos pagar. No caminho para cá, hoje, comecei a calcular quanto gastei com a terapia. Três vezes por semana por cinco anos. Quanto é isso? Setenta e oito mil dólares? Não leve para o lado pessoal, Ernest, mas não consigo deixar de especular o que teria acontecido se Laura tivesse aparecido cinco anos atrás. Talvez eu tivesse deixado Carol naquela época. E terminado a terapia, também. Talvez estivesse procurando um apartamento agora com oitenta mil dólares no meu bolso!

Ernest sentiu o rosto corar. As palavras de Justin soavam na sua cabeça. Oitenta mil dólares! Não leve isto para o lado pessoal, não leve isto para o lado pessoal!

Mas Ernest não deixou transparecer nada. Não piscou nem se defendeu. Nem apontou que, cinco anos atrás, Laura teria cerca de 14 anos e Justin não conseguiria limpar o traseiro sem pedir a permissão de Carol, não conseguiria passar a noite sem telefonar para o seu terapeuta, não conseguiria escolher de um menu sem a orientação da sua mulher, não conseguiria se vestir de manhã se ela não deixasse as roupas separadas. E, de qualquer maneira, foi o dinheiro da mulher que pagou as contas, não o dele - Carol ganhava o triplo do que ele ganhava. Se não fosse pelos cinco anos de terapia, ele teria oitenta mil dólares no bolso! Que droga, cinco anos atrás Justin não conseguiria se decidir em que bolso guardar!

Mas Ernest não disse nenhuma destas coisas. Ficou orgulhoso do próprio controle, um sinal claro do seu amadurecimento como terapeuta. Em vez disso, perguntou inocentemente: - Você está animado em todos os sentidos?

- O que quer dizer?

- Quero dizer, esta é uma ocasião importantíssima. Com certeza você deve ter muitas camadas de sentimentos sobre ela?

Mas Justin não deu a Ernest aquilo que ele desejava. Falou pouco voluntariamente, pareceu distante, desconfiado. Finalmente Ernest percebeu que ele não deveria se concentrar no conteúdo, mas no processo, isto é, no relacionamento entre paciente e terapeuta.

Processo é o amuleto mágico do terapeuta, sempre eficiente nos momentos de impasse. É o segredo comercial mais poderoso do terapeuta, aquele procedimento que torna o conversar com um terapeuta materialmente diferente e mais eficiente do que conversar com um amigo íntimo. Aprender a enfocar o processo, naquilo que estava acontecendo entre o paciente e o terapeuta, era a coisa mais valiosa que tinha conseguido de sua supervisão com Marshal e, por sua vez, era o ensino mais valioso que ele próprio oferecia quando era super visor dos residentes. Gradualmente, ao longo dos anos, ele tinha entendido que o processo não era apenas um amuleto a ser usado em tempos de dificuldades; era o próprio coração da terapia. Um dos exercícios de treinamento mais úteis que Marshal lhe tinha dado era enfocar o processo em pelo menos três momentos diferentes durante cada sessão.

- Justin - Ernest se aventurou -, podemos examinar o que está acontecendo hoje entre nós dois?

- O quê? O que você quer dizer com “o que está acontecendo”?

Mais resistência. Justin fazendo-se de tonto. Mas, pensou Ernest, talvez rebelião, mesmo rebelião passiva, não fosse uma coisa ruim. Lembrou-se daquelas muitas horas que tinham trabalhado na enlouquecedora subserviência de Justin - as sessões gastas na tendência de Justin de pedir desculpas por tudo e não pedir nada, nem mesmo reclamar do sol da manhã nos olhos ou perguntar se as persianas poderiam ser abaixadas. Dado esse histórico, Ernest sabia que deveria aplaudir Justin, apoiá-lo por tomar uma posição firme. A tarefa hoje era ajudá-lo a converter essa ridícula resistência em franca expressão.

- Quero dizer, como você se sente sobre conversar comigo hoje? Alguma coisa está diferente. Você não acha?

- O que você sente? - Justin perguntou.

Epa, outra resposta bem imprópria de Justin. Uma declaração de independência. Seja feliz, Ernest pensou. Lembra da alegria de Gepeto quando Pinóquio dançou sem os fios pela primeira vez?

- Muito justo, Justin. Bem, sinto-me distante, deixado de fora, como se algo importante tivesse acontecido a você. Não, não está certo. Deixe-me colocar da seguinte maneira: como se você tivesse feito com que algo importante acontecesse e quisesse mantê-lo separado de mim, como se você não quisesse estar aqui, como se você quisesse me excluir.

Justin assentiu com gratidão: - É isso, Ernest. Exatamente isso. É, realmente me sinto assim. Estou ficando longe de você. Quero me agarrar a isso de me sentir bem. Não quero que me levem para baixo.

- E eu vou levar você para baixo? Vou tentar afastar para longe de você?

- Você já tentou - disse Justin, olhando diretamente nos olhos de Ernest, algo fora de sua característica.

Ernest ergueu as sobrancelhas zombeteiramente.

- Bem, não é isso o que você estava fazendo quando perguntou se eu estava animado em todos os sentidos?

Ernest segurou a respiração. Uau! Um verdadeiro desafio vindo de Justin. Talvez ele tivesse aprendido alguma coisa da terapia, afinal de contas! Agora Ernest bancou o inocente. - Como assim?

- É claro que não me sinto bem em todos os sentidos. Tenho vários sentimentos sobre deixar Carol e minha família para sempre. Você não sabe disso? Como não poderia saber? Acabo de me afastar de tudo: minha casa, meu laptop Toshiba, meus filhos, minhas roupas, minha bicicleta, minhas raquetes de raquetebol, minhas gravadas, minha tevê Mitsubishi, minhas fitas de vídeo, meus CDs. Você conhece a Carol: ela não me dará nada, destruirá tudo que possuo. Uuuuuiii... - Justin fez uma careta, cruzou os braços e se curvou para a frente como se tivesse acabado de receber um soco na barriga. - Essa dor está lá, eu posso tocá-la, você vê o quanto está perto. Mas hoje, por um único dia, queria esquecer, mesmo que umas poucas horas. E você não quis que eu esquecesse. Nem mesmo parece satisfeito de eu ter finalmente deixado a Carol.

Ernest ficou atordoado. Ele tinha deixado transparecer tanto assim? O que Marshal faria nesta situação? Que diabo, Marshal não estaria nesta situação!

- Você está? - Justin repetiu.

- Estou o quê? - Como um pugilista aturdido, Ernest deu um clinch no oponente enquanto desanuviava a sua cabeça.

- Satisfeito com o que fiz?

- Você acha - Ernest saía pela tangente, tentando duramente regular a voz - que não estou satisfeito com o seu progresso?

- Satisfeito? Você não age como se estivesse - Justin respondeu.

- E quanto a você? - Ernest saiu de novo pela tangente. - Você está satisfeito?

Justin afrouxou e ignorou desta vez uma tentativa de esquiva. Tudo tem um limite. Ele precisava de Ernest e abandonou a defensiva: - Satisfeito? Sim. E apavorado. E decidido. E vacilando. Tudo misturado. O mais importante agora é eu nunca voltar para trás. Eu me libertei e a coisa importante agora é ficar longe, ficar longe para sempre.

Durante o restante da hora, Ernest tentou fazer emendas, apoiando e animando o paciente: - Defenda seu terreno... lembre por quanto tempo você ansiou por dar esse passo... você agiu segundo os seus melhores interesses... esta pode ser a coisa mais importante que você já fez.

- Devo voltar para discutir isto com Carol? Depois de nove anos, não devo isto a ela?

- Vamos fazer uma dramatização - sugeriu Ernest. - O que aconteceria se você voltasse agora para conversar?

- Confusão. Você sabe o que ela é capaz de fazer. Para mim. Para ela mesma.

Ernest não precisava ser lembrado. Lembrava vividamente um incidente que Justin tinha descrito um ano antes. Vários sócios de Carol na firma de advocacia estavam vindo para um brunch de domingo e, de manhã cedo, Justin, Carol e os dois filhos tinham saído para fazer compras. Justin, que cuidava da cozinha, quis servir peixe defumado, bagels e leo (salmão defumado, ovos mexidos e cebolas). “Muito vulgar”, Carol disse. Não queria sequer ouvir falar disso, apesar de, como Justin lembrou a ela, metade dos sócios serem judeus. Justin decidiu tomar uma decisão firme e começou a virar o carro em direção à rotisseria. “Não, não se atreva, seu filho-da-puta!”, gritou Carol e deu uma guinada no volante para virar de volta. A luta no tráfego em movimento terminou quando ela bateu o carro contra uma motocicleta estacionada.

Carol era uma gata montês, uma marta, uma louca que tiranizava através de sua irracionalidade. Ernest lembrou de outra aventura com carro que Justin descrevera há dois anos. Enquanto dirigiam numa quente noite de verão, ela e Justin tinham discutido sobre a escolha de um filme, ela a favor de As bruxas de Eastwick, ele a favor do Exterminador do futuro II. Ela ergueu a voz, mas Justin, que tinha sido incentivado por Ernest naquela semana a fazer valer seus direitos, se recusou a capitular. Finalmente, ela abriu a porta do carro, novamente num tráfego em movimento, e disse: “Seu safado miserável, não vou gastar nem mais um minuto com você.” Justin a agarrou, mas ela fincou as unhas no antebraço dele e, enquanto pulava para fora do carro, abriu quatro violentos sulcos vermelhos na carne dele.

Uma vez fora do carro, que se movia a cerca de 25 quilômetros por hora, Carol cambaleou para a frente, dando três ou quatro passos aos trancos e depois ficou socando a capota de um carro estacionado. Justin parou o carro e correu em direção a ela, abrindo caminho pela multidão que tinha se juntado. Ela se prostrou na rua, atordoada, mas serena, as meias rasgadas e ensangüentadas nos joelhos, arranhões nas mãos, cotovelos e bochechas, e um pulso obviamente fraturado. O restante da noite foi um pesadelo: a ambulância, o pronto-socorro, o humilhante interrogatório da polícia e da equipe médica.

Justin ficou seriamente abalado. Percebeu que, mesmo com a ajuda de Ernest, não conseguiria dar um lance maior que o de Carol. Nenhuma aposta era alta demais para ela. Aquele mergulho para fora do carro em movimento foi o evento que tinha despedaçado Justin para sempre. Ele não conseguia se opor a ela, nem deixá-la. Ela era uma tirana, mas ele tinha necessidade de tirania. Mesmo uma única noite longe dela o deixava inteiramente ansioso. Sempre que Ernest lhe pedira, como um experimento mental, que imaginasse deixar para trás o casamento, Justin ficava inteiramente aterrorizado. Quebrar sua ligação com Carol parecia inconcebível. Até Laura - 19 anos, bonita, engenhosa, atrevida, sem medo de tiranos - ter aparecido.

- O que você acha? - repetiu Justin. - Devo agir como um homem e tentar conversar sobre tudo com a Carol?

Ernest refletiu sobre as suas opções. Justin precisava de uma mulher dominante: estaria ele meramente trocando uma pela outra? Será que, em poucos anos, este novo relacionamento iria se parecer com o seu antigo? Ainda assim, as coisas tinham estado bem congeladas com Carol. Talvez, uma vez tendo conseguido se afastar dela, Justin pudesse estar aberto, mesmo que por um breve período, ao trabalho terapêutico.

- Realmente preciso agora de algum conselho.

Ernest, assim como todos os terapeutas, detestava dar um conselho direto. Era uma situação sem vencedores: se funcionasse, você teria infantilizado o paciente; se fracassasse, você pareceria um idiota. Mas, neste caso, ele não tinha escolha.

- Justin, não acho que, por ora, seja sensato encontrar-se com ela. Deixe passar algum tempo. Deixe que ela se aprume. Ou, talvez, tente se encontrar com ela com um terapeuta na sala. Eu me colocarei à disposição ou, melhor ainda, darei a você o nome de um terapeuta conjugal. Não estão dizendo aqueles que você já consultou. Sei que não funcionaram. Alguém novo.

Ernest sabia que seu conselho não seria seguido: Carol sempre tinha sabotado a terapia conjugal de casais. Mas conteúdo, o conselho exato que ele deu, não era a questão. O que era importante neste ponto era o processo: o relacionamento por trás das palavras, ele oferecendo apoio a Justin, ele se expiando pela tentativa de saída pela tangente, ele voltando a dar integridade à sessão.

- E se você se sentir pressionado e precisar conversar antes da nossa próxima sessão, telefone-me - Ernest acrescentou.

Boa técnica. Justin pareceu tranqüilizado. Ernest recobrou seu prumo. Tinha salvado a sessão. Sabia que seu supervisor aprovaria a sua técnica. Mas ele próprio não aprovou. Sentiu-se sujo. Contaminado. Não tinha sido honesto com Justin. Eles não tinham sido verdadeiros um com o outro. E era isso que ele valorizava em Seymour Trotter. Diga o que você quiser sobre ele - e Deus sabe que muito se falou -, mas Seymour sabia como ser verdadeiro. Ainda se lembrava da resposta de Seymour à sua pergunta sobre a técnica: “Minha técnica é abandonar a técnica. Minha técnica é dizer a verdade.”

Quando a hora chegava ao fim, algo fora do comum transpirou. Ernest sempre fizera questão de tocar fisicamente cada um de seus pacientes em cada sessão. Ele e Justin costumeiramente se despediam com um aperto de mãos. Mas não este dia: Ernest abriu a porta e inclinou sombriamente a cabeça para Justin quando este saiu.

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créditos: Ediouro / Sodiler

 
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